21 de setembro de 2009

O Internetês ameaça o Português?




 Imagem: BBC Brasil

A principal característica da internet é a liberdade de expressão em qualquer língua(agem). Ela é uma espécie de grande livro aberto à espera da intervenção de todos nós. Aliada a essa liberdade, a net aumentou a velocidade na transmissão das informações.

Quando foi que você, caro leitor, escreveu uma carta de próprio punho, selou-a e levou-a aos Correios? Os quase 65 milhões de internautas brasileiros certamente têm escrito muito mais e-mails ou enviado documentos por e-mail do que escrito missivas a quem quer que seja. Por quê? Pela incomparável praticidade e rapidez no envio e na recepção das mensagens.

Para acompanhar esse ritmo alucinante, a abreviação tem sido uma eficiente estratégia para economizar tempo e apressar o fluxo do pensamento. Esse, sem dúvida, é muito mais veloz do que os dedos do mais ágil digitador. Quem de nós, ao conversar no bate-papo, escreve a palavra ‘você’ ou ‘abraço’ inteiramente e não opta pelas formas abreviadas ‘vc’ e ‘abç’? Claro que normalmente não abreviamos em e-mails ou conversas pelo MSN com quem não temos muita intimidade.

O fenômeno da abreviação não acontece só com usuários do internetês no Português do Brasil. Acontece também em outras línguas. O linguista David Crystal constatou o mesmo fenômeno com internautas usuários de língua inglesa na Grã-Bretanha.

Diferentemente do que pensam aqueles preocupados com a falência do idioma luso por causa de tais reduções de palavras, a prática da abreviação não é recente, nem é culpa da internet. Sabe-se que ela já acontecia no século VI antes de Cristo, por causa da dificuldade de encontrar o papiro, um dos primeiros suportes de escrita. A prática da abreviação proliferou-se entre os copistas no século X d.C. em razão do alto custo do pergaminho, e pode ser fartamente encontrada em cartas manuscritas dos séculos XVIII e XIX pelos governantes brasileiros.

Todavia, assim como no passado, essas abreviações não ameaçam o sistema de escrita alfabético do Português, que funciona por força de lei ao se escreverem documentos oficiais em norma padrão da língua nas diversas instituições do país. Além do mais, não se constataram, até o presente, mudanças na estrutura sintática da língua, apenas modificações na forma de escrita de alguns vocábulos.

Em geral, as palavras abreviadas pelos internautas são aquelas mais comuns e previsíveis na sequência dos enunciados informais. É raro encontrarmos palavras mais sofisticadas como “reforma” ou “Constituição” abreviadas. Os internautas, para abreviar, tem levado em consideração três fatores: o tema em discussão, o grau de intimidade com o interlocutor e a adequação do gênero de texto à situação comunicativa.

Podemos afirmar sem receio que o internetês é mais uma maneira de usar a linguagem dentre as várias já criadas pelo homem. Ao invés de nos preocuparmos com uma suposta ameaça do internetês ao Português, deveríamos observar a interessante convergência de linguagens realizadas no computador. Isso, sim, pode-nos indicar uma inovação, posto que o internauta tem trazido para o monitor de seu pc imagens, vídeos, animações e sons, realizando uma inédita mescla de linguagens.

O internetês em si não é melhor nem pior do que as outras formas de registro da língua. Ele é apenas diferente, que por razões de tempo, objetividade e pelo efeito novidade está ganhando muitos adeptos entre usuários da grande rede, principalmente os mais jovens, mais despojados e transgressores a normas estabelecidas. Do ponto de vista expressivo, o internetês é irrefutavelmente rico, pois se apropria das outras linguagens para se constituir enquanto tal e permitir a liberdade de expressão por meio de outros signos além dos verbais.

Antonio Carlos Xavier é professor de Português e Linguística da UFPE

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