27 de setembro de 2009

Livros Antonio Carlos Xavier


Na Estante

A Era do Hipertexto
Linguagem e Tecnologia



ISBN 978-85-7315-629-4
Livro em português Brochura
1ª Edição - 2009
Brinde: Versão Digital
R$ 40,00 + frete
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Como se faz um texto para concursos


ISBN: 857315487x
ISBN-13: 9788573154870
Livro em português Brochura
1ª Edição - 2008
R$ 17,00 + frete
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O texto na escola
Produçao, Leitura e Avaliação


ISBN: 978-85-98968-16-2
Livro em português
Brochura
1ª Edição - 2007
R$ 30,00 + frete
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A linguagem do Rádio
Estratégias verbais do comunicador


ISBN: 8587069152
ISBN-13: 9788587069153
Livro em português
Brochura
1ª Edição - 2006
R$ 25,00 + frete
Saiba como adquirir
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Como se faz um texto
A construçao da dissertaçao argumentativa


ISBN: 8587069144
ISBN-13: 9788587069146
Livro em português - Brochura
1ª Edição - 2005

R$ 25,00 + frete
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Para Encomenda


Hipertexto e Gêneros Digitais
Novas formas de construçao de sentido


ISBN: 8586930369
ISBN-13: 9788586930362
Livro em português Brochura
16 x 23 cm
1ª Edição - 2004
R$ 30,00 + frete
Saiba como adquirir
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Conversas com Linguistas
Virtudes e controvérsias da Linguistica


ISBN: 8586930369
ISBN-13: 9788586930362
Livro em português Brochura
16 x 23 cm
1ª Edição - 2004
R$ 30,00 + frete

21 de setembro de 2009

O Acordo Ortográfico e as mudanças na língua



Ilustração: Revista Época. Clique para ampliar.

Já estão em vigor as reformas no sistema ortográfico de algumas palavras usadas pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que inclui o Brasil. O que fazer? Os estudiosos da linguagem há muito já provaram que as línguas são invenções humanas. Uma vez criadas, ganham vida, movimento e funcionamento próprios. Produto da inteligência coletiva, criativa e adaptativa dos falantes, elas permitem-nos expressar nossas necessidades afetivas, sociais e religiosas.

Os linguistas vêm mostrando, por meio de pesquisas científicas sérias, que todas as línguas passam por variações e mudanças ao longo do tempo e nos diferentes espaços por onde estão distribuídas. Para acompanhar esses dois princípios naturais das línguas, fazem-se necessárias constantes revisões nos documentos que regulamentam a modalidade escrita dos idiomas, já que controlar as inovações na fala de um povo é praticamente impossível. Na verdade somos nós falantes os reais donos da língua; somos nós que propomos, às vezes até inconscientemente, mudanças linguísticas que podem ser adotadas ou não. A ampla adesão dos falantes de diferentes classes sociais a uma nova palavra ou expressão pressiona indiretamente as instituições a incorporá-la e a legitimá-la no léxico (conjunto de palavras) da língua.

Assim, quando uma novidade linguística começa a aparecer reiteradamente nos textos da mídia impressa, eletrônica e digital, os dicionários e documentos dos poderes constituídos incorporam-na oficialmente. Em geral, só depois de todo esse complexo processo de absorção social é que as gramáticas normativas escolares admitem a existência de tal inovação no idioma, rendendo-se, enfim, à mudança na língua. A reforma ortográfica que entrou em vigor revela um grande avanço. A promoção de um acordo ortográfico abranjendo todos os países lusófonos não é só uma iniciativa política com efeito diplomático e econômico entre tais países. Esse acordo representa também o reconhecimento de uma necessidade prática há muito percebida por todos os profissionais que vivem da escrita.

Ninguém com um mínimo de escolaridade e bom senso confundiria a preposição “por’ com o verbo “por” grafado sem o acento diferencial como na frase: “Por mim, o governo deveria por ordem na casa”. Será que as pessoas deixarão de aproveitar uma promoção de lingüiça no supermercado quando essa palavra aparecer no cartaz sem o trema? O Brasil deixará de ter “um brado heroico e retumbante”, caso o ditongo aberto “oi” não esteja incrementado com o acento agudo? A palavra “feiura” ficará mais ‘feia’ se for retirado o acento agudo no “u” tônico como propõe a reforma? Sejamos razoáveis, nada disso nos impedirá de compreendermos o sentido da frase pela ausência ou presença desses sinais, pois são o co-texto (as outras palavras em volta) e o contexto (a situação de comunicação) que determinam o sentido de uma palavra ou expressão. Se deixarmos de entendê-lo, o problema não será dos acentos ausentes.

Embora tímida, a reforma ortográfica vislumbra uma crescente sensibilidade dos falantes do Português a aceitar a língua como um fenômeno cultural e histórico construído socialmente com a contribuição de cada um de seus usuários. Esse Acordo revela a percepção da estabilidade relativa da língua, que não pode ficar refém dos caprichos de meia dúzia de puristas que dela se acham proprietários. A língua muda porque nós estamos sempre mudando, estamos nos renovando a cada dia. Talvez essa seja nossa maior riqueza: nossa capacidade de renovação expressa principalmente por meio da linguagem. A língua apenas reproduz essa “metamorfose ambulante” que inelutavelmente somos, ainda que não a percebamos. Se assim não fosse, morreríamos lentamente de tédio e conosco, a língua.

O que devemos fazer agora? Adaptarmo-nos rapidamente às mudanças propostas no Acordo. Esperamos que reformas mais amplas na escrita da Língua Portuguesa sejam oficializadas brevemente, pois essa é a tendência natural de uma das mais importantes criações humanas.


Antonio Carlos Xavier é professor do Departamento de Letras da UFPE

O Internetês ameaça o Português?




 Imagem: BBC Brasil

A principal característica da internet é a liberdade de expressão em qualquer língua(agem). Ela é uma espécie de grande livro aberto à espera da intervenção de todos nós. Aliada a essa liberdade, a net aumentou a velocidade na transmissão das informações.

Quando foi que você, caro leitor, escreveu uma carta de próprio punho, selou-a e levou-a aos Correios? Os quase 65 milhões de internautas brasileiros certamente têm escrito muito mais e-mails ou enviado documentos por e-mail do que escrito missivas a quem quer que seja. Por quê? Pela incomparável praticidade e rapidez no envio e na recepção das mensagens.

Para acompanhar esse ritmo alucinante, a abreviação tem sido uma eficiente estratégia para economizar tempo e apressar o fluxo do pensamento. Esse, sem dúvida, é muito mais veloz do que os dedos do mais ágil digitador. Quem de nós, ao conversar no bate-papo, escreve a palavra ‘você’ ou ‘abraço’ inteiramente e não opta pelas formas abreviadas ‘vc’ e ‘abç’? Claro que normalmente não abreviamos em e-mails ou conversas pelo MSN com quem não temos muita intimidade.

O fenômeno da abreviação não acontece só com usuários do internetês no Português do Brasil. Acontece também em outras línguas. O linguista David Crystal constatou o mesmo fenômeno com internautas usuários de língua inglesa na Grã-Bretanha.

Diferentemente do que pensam aqueles preocupados com a falência do idioma luso por causa de tais reduções de palavras, a prática da abreviação não é recente, nem é culpa da internet. Sabe-se que ela já acontecia no século VI antes de Cristo, por causa da dificuldade de encontrar o papiro, um dos primeiros suportes de escrita. A prática da abreviação proliferou-se entre os copistas no século X d.C. em razão do alto custo do pergaminho, e pode ser fartamente encontrada em cartas manuscritas dos séculos XVIII e XIX pelos governantes brasileiros.

Todavia, assim como no passado, essas abreviações não ameaçam o sistema de escrita alfabético do Português, que funciona por força de lei ao se escreverem documentos oficiais em norma padrão da língua nas diversas instituições do país. Além do mais, não se constataram, até o presente, mudanças na estrutura sintática da língua, apenas modificações na forma de escrita de alguns vocábulos.

Em geral, as palavras abreviadas pelos internautas são aquelas mais comuns e previsíveis na sequência dos enunciados informais. É raro encontrarmos palavras mais sofisticadas como “reforma” ou “Constituição” abreviadas. Os internautas, para abreviar, tem levado em consideração três fatores: o tema em discussão, o grau de intimidade com o interlocutor e a adequação do gênero de texto à situação comunicativa.

Podemos afirmar sem receio que o internetês é mais uma maneira de usar a linguagem dentre as várias já criadas pelo homem. Ao invés de nos preocuparmos com uma suposta ameaça do internetês ao Português, deveríamos observar a interessante convergência de linguagens realizadas no computador. Isso, sim, pode-nos indicar uma inovação, posto que o internauta tem trazido para o monitor de seu pc imagens, vídeos, animações e sons, realizando uma inédita mescla de linguagens.

O internetês em si não é melhor nem pior do que as outras formas de registro da língua. Ele é apenas diferente, que por razões de tempo, objetividade e pelo efeito novidade está ganhando muitos adeptos entre usuários da grande rede, principalmente os mais jovens, mais despojados e transgressores a normas estabelecidas. Do ponto de vista expressivo, o internetês é irrefutavelmente rico, pois se apropria das outras linguagens para se constituir enquanto tal e permitir a liberdade de expressão por meio de outros signos além dos verbais.

Antonio Carlos Xavier é professor de Português e Linguística da UFPE

24 de setembro de 2008

Educação vira foco de debates

Educação vira foco de debates
Diário de Pernambuco - Quarta-feira - 24 de Setembro de 2008

SEMINÁRIOS // Na semana que passou, Recife sediou dois importantes eventos, um sobre hipertexto e outro sobre tecnologia no aprendizado

Raítza Vieira // Especial para o Diario
raitza.vieira@diariodepernambuco.com.br


A tecnologia digital pode ajudar, sim, no processo de aprendizagem de línguas e outros conhecimentos. Mas, para isso, é preciso saber utilizá-la, de forma que ela complemente o ensino da sala de aula. Levar os alunos para um laboratório de informática sem qualquer projeto não quer dizer que o professor esteja utilizando a tecnologia a seu favor.

Reflexões como essa foram levantadas durante o 2º Simpósio Hipertexto e tecnologias na educação: multimodalidade e ensino, realizado de quarta a sexta passada, na Universidade Federal de Pernambuco. O encontro teve um público de quase 400 pessoas, na maioria, pesquisadores com doutorado, representando mais de 16 estados do país.

Com uma programação extensa, que incluiu exposição, mesa-redonda, minicurso, comunicações individuais e coordenadas, diversos temas foram abordados, entre eles, "Autoria e plágio na era digital" - um assunto em alta que é discutido em vários âmbitos e gerou muita discussão. A professora Angela Paiva Dionísio levantou indagações acerca de "qual o limite entre intertextualidade, paráfrase e plágio? Em que medida a internet influencia a produção de textos com tais práticas?". Já o professor Sérgio Abranches, apresentou o artigo "O que fazer quando eu recebo um trabalho CTRL C+ CTRL V? Autoria, pirataria e plágio na era digital: desafios para a prática docente" e o professor Artur Stanford colocou em debate o estudo "configurações jurídicas do plágio nos gêneros acadêmicos: âmbito administrativo e judiciário".

Reforço - O 6º Congresso Internacional de Tecnologia na Educação, que aconteceu nesses mesmos dias, no Centro de Convenções de Pernambuco, em Olinda, também discutiu como a tecnologia poderia ajudar no processo didático, mas o tema principal foi "Educação: caminho para a cidadania".

A abertura desse evento ficou por conta do presidente do Sistema Fecomércio/Senac/Sesc-PE, Josias Silva, e teve a presença do secretário de educação do estado de Pernambuco, DaniloCabral, e da coordenadora do programa Leitor do Futuro do Diario de Pernambuco, Conceição Cavalcanti, representando o presidente do Grupo Associados em Pernambuco, Joezil Barros. A programação foi longa, tendo palestras, minicursos, conferências e mesas redondas. Além de dois espaços queridos pelo público: o "salão da tecnologia", repleto de inúmeras novidades sobre livros, tecnologias para ação educativa, entre outros produtos e o "espaço do conhecimento", no qual foram apresentadas 89 pesquisas com foco em educação.

Um dos destaques foi a palestra "Era digital: impactos da tecnologia na educação", ministrada pelo professor Antônio Carlos Xavier que mostrou os efeitos da tecnologia na sociedade; na aprendizagem dos alunos e na prática docente. "O docente não pode mais ensinar como se estivesse no século 19. Ele não pode só falar e o aluno só escutar. O ensino deve ser mais dinâmico, ele precisa inovar. O aluno chegacom muitas informações. O professor deve ajudá-lo a transformar essa informação em conhecimento".

Durante entrevista ao Diario, o professor citou uma pesquisa na qual o Orkut foi utilizado como ferramenta de ensino. Criaram-se tópicos sobre vários assuntos e eles tiveram uma grande participação dos alunos, em especial, dos mais tímidos. "Os alunos, na sala de aula, querem mais do que a oralidade do professor. As crianças e os adolescentes se interessam por muitas tecnologias digitais, o professor pode trabalhar essa tecnologia a seu favor", pontua Antônio.

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Fonte: http://www.diariodepernambuco.com.br/2008/09/24/info3_0.asp#

19 de março de 2008

Boas vindas ao Blog do Xavier

Olá!
Seja bem vindo ao Blog do Prof Xavier!
Esse é um espaço para compartilharmos saberes e experiências.
Sinta-se à vontade para deixar aqui a sua opinião.

16 de março de 2008

Dialeto da internet invade sala de aula

Jornal do Commércio - Revista JC - Publicado em 16.03.2008

Conhecido como internetês ou miguxês, idioma usado por crianças e adolescentes nos programas de bate-papo da web preocupa pais e professores

Carol Botelho
cbotelho@jc.com.br

Os programas de bate-papo como o MSN, o mais popular da internet, fizeram surgir uma linguagem virtual paralela ao idioma português, o internetês ou miguxês. Originário da velocidade e da dinâmica que o mundo digital exige, ele não combina com acentos, preposições, conjunções, pontuações e ortografia correta, como manda a língua clássica. A inadequação às regras ortográficas só é bem vista pelos olhos de quem a pratica. Para eles, o internetês é uma forma de simular uma conversa ao vivo, sem a formalidade exigida na escrita. Basta escrever da maneira que se fala. E é assim que surgem variações de palavras e abreviações como: pow (de pô), neh (de né), acc (aceitar), blz (beleza), comu (comunidade), add (adicionar), o.0 (assustado), valew (valeu), cm (como). São verdadeiros códigos lingüísticos só compreensíveis por quem transita no universo virtual. Ao resto do mortais resta fazer cara de interrogação ao se deparar com o estranho, e distorcido, dialeto.

Para estudiosos, professores de português e pais, fica uma grande preocupação: será que o internetês atrapalha o ensino, simplifica-o ou mesmo fará sumir a língua ensinada nos livros de gramática? Pesquisadores da Faculdade Frassineti do Recife (Fafire) saíram a campo para responder. “O uso do internetês é inofensivo, pois se relaciona ao contexto vivenciado no cotidiano dos alunos fora da aula”, declara a pesquisadora e graduada em letras pela Fafire, Marielly Carlos da Silva, também professora do ensino fundamental. “Oriento meus alunos a usar o internetês apenas no mundo virtual”, diz.

Ensinar o estudante a adequar a linguagem ao ambiente ao qual pertence é o que também faz o doutor em lingüística pela Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo, Antônio Carlos Xavier. “Em vez de fazer discursos condenatórios demonizando a internet, o professor deve incentivar o aluno a trazer a linguagem que ele usa com os amigos para ser comparada com reportagens ou textos literários”, sugere.

A também pesquisadora e graduada em letras pela Fafire, Márcia Guabiraba vai mais adiante e defende o uso da internet pelos jovens como forma de incentivar a leitura e a escrita. “Todos os gêneros digitais são baseados na escrita, apesar de serem um pouco diferentes. O aluno está sempre pensando na forma correta, no princípio da adequação”, ressalta Márcia, que define o internetês como “um novo estilo online de escrita”.

Márcia acredita que os prejuízos são maiores entre adolescentes de 10 e 14 anos, que acabam utilizando, sem querer, o internetês em trabalhos de classe. “Maiores de 15 anos e adultos têm mais consciência da adequação de linguagens. E também os jovens que vão prestar vestibular, pois estão mais ligados à gramática, estudam o ano inteiro e sabem o quanto devem ser rigorosos para evitar erros”, conclui Márcia, que já flagrou muitos vc (você), blz (beleza), rs (risos), td (tudo), naum (não), durante duas semanas que passou em escolas avaliando os alunos. “São termos muito comuns em cartinhas, bilhetes e e-mails e nas produções realizadas em classe”, atesta.

Para Márcia, o problema surge exatamente quando os professores acabam frustrando os alunos, chamando a atenção deles de forma grosseira, como se estivessem escrevendo errado. “Tal atitude gera repressão e receio na hora de escrever”, desaconselha.

Segundo Antônio Carlos, confusões podem existir mais facilmente nas classes sociais menos privilegiadas. “Se o adolescente pertence a um ambiente escolar que exige o português tradicional, não haverá enganos”. Estudos da UFPE, no entanto, comprovam que aqueles com histórico escolar de dificuldade ortográfica acabam deixando escapar o internetês ao longo de toda a vida de estudante. “Quanto mais o aluno utiliza a internet, mais exposto ele está ao padrão culto da língua. Melhor ainda se a maior parte do tempo for gasta em sites oficiais, resultando no aumento do hábito da leitura e uma conseqüente melhoria da escrita”, explica Antônio. O uso da norma correta também tem a ver com o grau de intimidade dos interlocutores. “Quanto mais próximos, mais abreviada é a linguagem.”

DE OLHO

A coordenadora de língua portuguesa do nível fundamental dois da Escola Arco-Íris, Aliete Rosa, vê o internetês como uma segunda língua. “Quando trabalhamos com produção textual na escola, o aluno sabe por quem será lido o seu texto, e isso faz diferença. Se o trabalho é para expor, eles capricham. Já na internet, a forma falada é reproduzida para ser rápida”, opina Aliete, para quem o papel da escola é ensinar a escrita responsável. “A família também tem que ficar atenta. Quanto mais tempo as crianças e adolescentes estiverem no computador, mais eles vão estar sujeitos a reproduzir o internetês”, acredita.

A estudante de turismo Eliane Holanda, 48 anos, concorda com Aliete sobre o controle da família no uso do computador, e também no estímulo à leitura e à escrita. “Muitos pais não encaram o excesso de computador no dia-a-dia das crianças como um problema. Se os pequenos não forem estimulados a ler e escrever mais, iremos acabar com a língua, e voltaremos ao tempo da comunicação por gestos”, profetiza Eliane, que possui colegas com problemas de pontuação e acentuação aos 24 anos, porque têm preguiça de ler. “Eles digitam e esperam que o computador corrija. Isso acaba prejudicando os trabalhos acadêmicos.”

A universitária é mãe de Laura, 12, da 6ª série, que estuda em um bom colégio para aprender bem a língua portuguesa. Para isso, Eliane sacrificou as prestações do plano de previdência privada, mas não se arrepende. “Lá, eles a estimulam a ler e escrever e eu complemento o trabalho em casa, estabelecendo horários para uso do computador e para os bate-papos.” Mesmo assim, Laura não abre mão das conversas online, que começou aos 9 anos, “para falar dos babados que não podia falar na aula”, explica a menina. Ela conta que, na antiga escola, escrevia palavras sem acento e abreviadas nos trabalhos em sala. “Tive que escrever tudo de novo”, lembra Laura, que já chegou a usar a ferramenta para pegar a lição que havia perdido. Mas quando resolveu fazer um trabalho via MSN, foi um desastre. “Ficava conversando e deixava o trabalho de lado”, admite.

“Não tô nem aí”, desdenha o estudante Heitor Santos, 13 anos, da 7ª série, que nos bate-papos virtuais escreve errado e muda as palavras. Os macetes do internetês, Heitor aprendeu na própria internet, com os amigos. “O pessoal ia escrevendo e eu me acostumei. Acho mais simples, diferente, outra forma de me expressar”. Na classe, apesar de se considerar um ótimo aluno, Heitor confessa que dá suas escorregadas. “Quando vou fazer trabalho no computador, acabo escrevendo como se estivesse no MSN, sem querer”, confessa.

Bernardo Prado do Egito, 13, da 7ª série, é mais seguro. “Nunca me atrapalho. Aos dez anos, acho que já temos um bom conhecimento da língua. Nunca cometi um erro desses em sala de aula”, diz o confiante Bernardo, adepto da língua pela rapidez de comunicação que ela proporciona. “Para mim, é como se fossem gírias”, define. O mesmo pensa seu irmão mais novo, Artur Prado do Egito, 10, da 5ª série. Contrariando as conclusões da pesquisa da Fafire, mesmo com pouca idade, Artur não tem a menor dificuldade em utilizar as duas línguas. “Nas provas, usamos uma. Na internet, outra”, distingue o garoto. Apesar do bom desempenho dos filhos na escola, a professora universitária Lucila Borges, 48, vive reclamando dos “símbolos esquisitos” que eles usam. “Meus filhos escrevem muito bem. Essa linguagem esquisita que eles utilizam, por enquanto ainda não os prejudicou porque eles são muito novos. É preciso levar em conta a intensidade e a freqüência das conversas por dia no computador. Por isso, estou sempre controlando”, diz.J

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Fafire – 2122-3500/ Departamento de Letras da UFPE – 2126-8000/ Escola Arco-Íris – 3271-2485

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Fonte: http://jc3.uol.com.br/jornal/2008/03/16/not_273866.php

12 de setembro de 2007

A riqueza da língua portuguesa

Revista Veja - Edição nº2025 - 12 de Setembro de 2007



Jerônimo Teixeira para a Veja (nº2025)

Ferramenta fundamental na carreira e no crescimento pessoal, o português pode ser transformado por um acordo ortográfico. Mas essa não é a única revolução por que a língua está passando.


MEIA-SOLA ORTOGRÁFICA

“Sou contra o acordo. Sei que isso é um tiro no próprio pé, pois, se o acordo passar, vou ser chamado para fazer muitas palestras. Mas não quero esse dinheiro, não. Com outro espírito, outra proposta, uma unificação talvez fosse possível. Mas esta é uma reforma meia-sola, que não unifica a escrita de fato e mexe mal em pontos como o acento diferencial. Vamos enterrar dinheiro em uma mudança que não trará efeitos positivos.”
Pasquale Cipro Neto,
professor de português

Engavetado desde sua assinatura, em 1990, voltou a assombrar o acordo ortográfico que visa a unificar a escrita do português nos países que o adotam como língua oficial.

O Ministério da Educação chegou a anunciar a entrada em vigor da reforma no Brasil já em 2008. Felizmente, essa data foi postergada. Por mais modorrenta que seja, essa discussão não deve se extinguir. Ela tem implicações profundas de ordem técnica e comercial, além de provocar ainda mais ansiedade nos milhões de brasileiros mergulhados em dúvidas no seu empenho diário para falar e escrever bem.

Dominar a norma culta de um idioma é plataforma mínima de sucesso para profissionais de todas as áreas. Engenheiros, médicos, economistas, contabilistas e administradores que falam e escrevem certo, com lógica e riqueza vocabular, têm mais chance de chegar ao topo do que profissionais tão qualificados quanto eles mas sem o mesmo domínio da palavra.

Por essa razão, as mudanças ortográficas interessam e trazem dúvidas a todos. O acordo diz como se devem usar o hífen e o acento agudo e outros desses minúsculos sinais gráficos que já fizeram estatelar muitas reputações. A diferença entre um sucesso e um vexame pode ser determinada por uma simples crase mal utilizada. Portanto, não há como ignorar quando os sábios se reúnem para determinar o que é certo e errado no uso do português.

Nas grandes corporações, os testes de admissão concedem à competência lingüística dos candidatos, muitas vezes, o mesmo peso dado à aptidão para trabalhar em grupo ou ao conhecimento de matemática.

Diversas pesquisas estabelecem correlações entre tamanho de vocabulário e habilidade de comunicação, de um lado, e ascensão profissional e ganhos salariais, de outro. Salte-se agora do micro para o macro.

Uma decisão sobre o uso correto do trema, por exemplo, pode ganhar contornos bem mais amplos em um momento em que os idiomas nacionais sofrem todo tipo de pressão desestabilizadora.

Como diz o lingüista britânico David Crystal (veja entrevista), a globalização e a revolução tecnológica da internet estão dando origem a um “novo mundo lingüístico”. Entre os fenômenos desse novo mundo estão as subversões da ortografia presentes nos blogs e nas trocas de e-mails e o aumento no ritmo da extinção de idiomas.

Estima-se que um deles desapareça a cada duas semanas. Cresce a consciência de que as línguas bem faladas, protegidas por normas cultas, são ferramentas da cultura e também armas da política, além de ser riquezas econômicas.

A reforma do português ora em curso vai se defrontar com um desafio inédito. Outras mudanças foram feitas em situações em que era bem menos intenso o ritmo de entrada de palavras e conceitos na corrente da vida cotidiana.

Em tempos de internet, as línguas, por natureza refratárias a arranjos de gabinete e legislações impostas de cima para baixo, podem se comportar como potros indomáveis. Quem vai ligar para as novas regras de uso do hífen quando mantém longas e satisfatórias conversações na internet usando apenas interjeições e símbolos gráficos como os consagrados “emoticons” para alegre :) ou triste :-(?

David Crystal cunhou o termo netspeak para designar as formas inéditas de expressão escrita que a internet gerou.

A inclusão de símbolos audiovisuais, os links que permitem “saltos” de um texto para o outro – nada disso existia nas formas anteriores de comunicação. A comunicação por escrito se tornou mais ágil e veloz, aproximando-se, nesse sentido, da fala.

“A necessidade de diminuir o tempo de escrita e se aproximar do tempo da fala levou os usuários a ser cada vez mais objetivos e compactos”, diz o lingüista Antonio Carlos dos Santos Xavier, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Essa tendência é mais notória nas conversas que os adolescentes mantêm através de programas como o MSN, com abreviações como blz (beleza) e frases de sonoridade tribal como bora nu cinema – pod c as 8? (vamos ao cinema – pode ser às 8?).

Mas o netspeak não é só para os imberbes. Até no âmbito profissional a objetividade eletrônica está imperando. A carta comercial que iniciava com a fórmula “vimos por meio desta” é peça de museu. “Gêneros como a carta circular ou o requerimento estão em extinção. O e-mail absorveu essas funções”, observa a lingüista Cilda Palma, que, em sua dissertação de mestrado na UFPE, estudou a comunicação interna de uma empresa pública – um posto regional dos Correios – e de uma empresa então recentemente privatizada, a Petroflex.

Ela constatou que a correspondência eletrônica tornou a comunicação mais informal – e que essa tendência foi mais longe na empresa privada. Observa a pesquisadora: “Os Correios ainda mantêm uma infra-estrutura anacrônica, que exige fotocópias e carimbos nos comunicados internos”.

Embora a língua sofra ataques deformadores diários nos blogs e chats, a palavra escrita nunca foi usada tão intensamente antes. Os mais otimistas apostam que os bate-papos da garotada travados com símbolos e interjeições hoje podem ser a semente de uma comunicação escrita mais complexa, assim como o balbuciar dos bebês denota a prontidão para a fala lógica que se seguirá. Pode ser. Seria ótimo que fosse assim. Por enquanto, uma maneira de se destacar na carreira e na vida é mostrar nas comunicações formais perfeito domínio da tradicional norma culta do português.

Vários estudos demonstram a correlação positiva entre um bom domínio do vocabulário e o nível de renda, mesmo que não se possa traçar uma correlação direta e linear entre uma coisa e outra.

Além de conhecer as palavras, é preciso que se tenha alguma coisa a dizer de forma lógica e racional. O vocabulário, por si só, não garante precisão ou beleza na escrita. “Machado de Assis compôs toda a sua obra com aproximadamente 12.000 vocábulos, enquanto Coelho Neto, autor ilegível, teria empregado mais de 35.000 palavras diferentes na sua longa e obscura carreira”, lembra o professor de português Cláudio Moreno.

Mesmo que pareça meio quadrado na mesa do bar, quem mais se distanciar do linguajar trivial dos chats nas comunicações formais mais será notado pela competência.

É empobrecedor, porém, ignorar a revolução cultural da internet. Como toda inovação tecnológica abrangente, a civilização digital ampliou o léxico de muitos idiomas, entre eles o português. E o fez, basicamente, pela incorporação de palavras em inglês (site, download, hardware). Essas adições causam horror aos puristas da linguagem. Bobagem. A maior fonte de enriquecimento dos idiomas em todos os tempos é a incorporação de vocábulos oriundos de línguas estrangeiras e de revoluções tecnológicas.

O português cresceu muito enquanto seus navegadores exploravam os “mares nunca dantes navegados” cantados por Luís de Camões. “Calcula-se que o português medieval tinha perto de 15.000 vocábulos. Em meados do século XVI, com a expansão marítima, o total chegaria a 30.000, 40.000″, observa o filólogo Mauro Villar, do Dicionário Houaiss.

Nesse processo, é preciso levar em conta também a popularização do vocabulário especializado, que em geral não entra nos dicionários. Por mais abrangente que seja um dicionário, ele recolhe apenas algumas centenas de milhares de palavras.

O Houaiss tem perto de 230.000 verbetes. O Oxford English Dictionary, o famoso OED, registra 615.000. Ambos são recortes muito limitados de um universo em permanente expansão. Só as palavras necessárias à prática da medicina estariam na casa de 600.000. Eventualmente, uma grande virada em um desses campos científicos puxa o vocabulário especializado mais para perto do chão dos dicionários. DNA é um exemplo eloqüente: o acrônimo em inglês de ácido desoxirribonucléico (componente fundamental do código genético) saiu dos laboratórios e se incorporou ao dia-a-dia.

A internet é, além de tudo, um campo essencial na disputa pelo mercado dos idiomas. O estudo da economia da língua é um campo promissor.

A Fundação Telefónica, da Espanha, está promovendo um projeto de pesquisa que deve durar quatro anos e pretende aferir o peso econômico do idioma espanhol no mundo. “O valor de uma língua se relaciona com sua capacidade de incentivar os intercâmbios econômicos”, explica o economista José Luis García Delgado, coordenador do projeto. Embora não seja possível atribuir uma cifra monetária a uma língua, faz pleno sentido falar no valor relativo que ela tem na comparação com outras línguas.

O número total de falantes nativos é um fator essencial. O espanhol tem cerca de 450 milhões, patamar semelhante ao do inglês (o português fica em torno de 250 milhões). O inglês, porém, domina a internet: de acordo com o Internet World Stats, site que concentra números mundiais sobre a rede, 30% dos usuários da rede são falantes nativos do idioma de Shakespeare, contra 9% de usuários da língua de Cervantes. Mais importante, o inglês é forte como segunda língua. O British Council estima que pelo menos 1 bilhão de pessoas estão estudando inglês hoje no mundo.

“O inglês está destinado a ser uma língua mundial em sentido mais amplo do que o latim foi na era passada e o francês é na presente”, dizia o presidente americano John Adams no século XVIII. A profecia se cumpriu: o inglês é hoje a língua franca da globalização.

No extremo oposto da economia lingüística mundial, estão as línguas de pequenas comunidades declinantes. Calcula-se que hoje se falem de 6.000 a 7.000 línguas no mundo todo. Quase metade delas deve desaparecer nos próximos 100 anos. A última edição do Ethnologue – o mais abrangente estudo sobre as línguas mundiais –, de 2005, listava 516 línguas em risco de extinção.

O português está entre os vencedores da globalização. É uma língua que vem crescendo na internet: nos últimos sete anos, o número de falantes da língua portuguesa que navegam na rede aumentou em 525% (embora ainda represente apenas 4% dos usuários).

O acordo ortográfico tem a intenção manifesta de incrementar o “valor de mercado” do português. Desde o início criticada dos dois lados do Atlântico, a unificação da língua portuguesa foi uma causa cara ao filólogo brasileiro Antônio Houaiss, morto em 1999. O acordo foi firmado em 1990 pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), então com sete membros – Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Mais tarde, o Timor Leste também faria sua adesão.

Os prazos de implantação das novas regras estipulados em 1990 nunca foram cumpridos, e a ratificação do acordo foi adiada sucessivamente. Um novo acerto firmado em uma conferência de chefes de estado da CPLP em 2004 determinou que bastaria a ratificação de três membros para que o acordo entrasse em vigor, o que aconteceu no fim do ano passado.

O problema é que só os três países que ratificaram – Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe – deram mostras de querer levar a reforma adiante. Naturalmente, nenhuma unificação ortográfica merece ser chamada assim se a matriz da língua, Portugal, não a seguir. Autoridades portuguesas têm falado em esticar os prazos de adaptação às novas regras em até dez anos.

Foram ouvidos quatro profissionais da língua portuguesa. O único que considera a unificação importante do ponto de vista da política da língua é o gramático Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras. Mas ele faz restrições ao conteúdo da reforma, que teria perdido a oportunidade de racionalizar algumas regras.

Os outros três especialistas são mais radicais na crítica. “É um acordo meia-sola”, avalia Pasquale Cipro Neto. Ele cita algumas palavras que continuam sendo grafadas de duas formas, conforme a pronúncia ou as idiossincrasias de cada país – caso de “cómodo” (Portugal) e “cômodo” (Brasil), ou de berinjela/beringela.

“Essa idéia messiânica, utópica de que a unificação vai transformar o português em uma língua de relações internacionais é uma tolice”, diz o professor Cláudio Moreno.

Sérgio Nogueira considera que só uma categoria vai ganhar vantagens com o acordo: os professores que dão aulas e palestras sobre língua portuguesa. “Se a reforma sair, vou ficar rico de tanta palestra que vou dar”, ironiza. As editoras em geral estariam no lado perdedor do acordo, já que teriam de adequar seus catálogos à nova grafia.

O custo médio para a revisão e a preparação de um único livro ficaria em torno de 5.000 reais. A revisão de enciclopédias e dicionários seria ainda mais custosa. “Só a atualização do nosso banco de dados ficaria entre 200.000 e 400.000 reais”, calcula Breno Lerner, diretor-geral da Melhoramentos, que publica os dicionários Michaelis.

As diferenças culturais não se resolvem assim apenas com um golpe de pena. Mesmo com a ortografia unificada, dificilmente uma dona-de-casa portuguesa vai comprar um livro de culinária brasileiro que fala em “açougue” (”talho” em Portugal), e o carpinteiro brasileiro com um manual português nas mãos talvez fique embasbacado com a palavra “berbequim” (furadeira). De outro lado, a grafia cheia de letras mudas – tecto, facto, acto – não impediu o português José Saramago de ser best-seller no Brasil. Como a natureza, a arte e a inteligência sempre encontram uma maneira de se manifestar. Com a ajuda de uma norma culta e amplamente aceita, esse trabalho fica mais fácil.

MINHA PÁTRIA, MINHA LÍNGUA

“Creio que a unificação do português tem um sentido político positivo. Aumenta o conceito da língua como nação. A adaptação talvez seja difícil. Mas a língua é um organismo vivo e vai seguir em frente. No meu trabalho de compositor, a ortografia repercute pouco. Nas letras de rock, a gente trabalha com a informalidade, com a fala da rua.”
Tony Bellotto, músico da banda Titãs, autor de Bellini e a Esfinge e apresentador do programa Afinando a Língua

PREGUIÇA CÉTICA

“Encaro com grande ceticismo esse acordo ortográfico. É uma reforma tímida, que não traz grandes inovações. Mas não gostei. Queria que meus tremas ficassem onde estão. Os escritores mais velhos e mais preguiçosos têm de confiar no pessoal da editoração para fazer as mudanças necessárias no texto.”
João Ubaldo Ribeiro, escritor, autor de Sargento Getúlio e Viva o Povo Brasileiro

MUDANÇA TÍMIDA

“Do ponto de vista político, a unificação ortográfica é importante. Implica numa maior difusão da língua portuguesa nos seus textos escritos. Mas a reforma poderia ter avançado mais e de forma mais inteligente na racionalização dos acentos e do hífen. As regras ainda são pouco acessíveis para o homem comum.”
Evanildo Bechara, gramático, membro da Academia Brasileira de Letras

UMA REVOLUÇÃO SEM GRAMÁTICA

Professor honorário de lingüística da Universidade do País de Gales, em Bangor, David Crystal, de 66 anos, é uma das maiores autoridades mundiais em linguagem. Autor de A Revolução da Linguagem (Jorge Zahar), ele falou a VEJA sobre as mudanças que a internet trouxe ao uso da língua e sobre as línguas em extinção.

A INTERNET ESTÁ MUDANDO O CARÁTER DAS LÍNGUAS?

Em cinqüenta ou 100 anos, todas as línguas que utilizam a internet serão diferentes. Está surgindo o que chamo de netspeak, “fala da rede”, ou comunicação mediada pelo computador, em jargão acadêmico.

Ainda é impossível prever, no entanto, quais serão a forma e a extensão dessa mudança. Leva muito tempo para que uma transformação efetiva se manifeste numa língua. No inglês, por exemplo, notamos uma grande diferença entre a linguagem de Chaucer e a de Shakespeare.

Duzentos anos separam o nascimento de um e de outro. Pergunte às pessoas quando foi a primeira vez em que elas mandaram um e-mail. Foi há dez, talvez cinco anos. É algo recente demais. Existem curiosos fenômenos de ortografia, o uso de sinais tipográficos e dos chamados emoticons. Mas, se procurarmos por novas palavras ou uma nova gramática na internet, não encontraremos muita coisa.

O inglês é uma língua com mais de 1 milhão de palavras, e somente umas poucas centenas foram incorporadas a ela por causa da internet. Isso não altera o seu caráter.

A INFORMALIDADE É UMA CARACTERÍSTICA CENTRAL DO NETSPEAK?

Sim, até o momento. Isso tudo começou com os nerds da internet, há vinte, trinta anos. E eles eram rebeldes.

Viam a rede como uma revolução, uma alternativa democrática às formas de comunicação mais formais. Esses pioneiros não pontuavam, não se preocupavam com ortografia, criavam formas estranhas de grafar as palavras.

Quando a internet se espalhou, a informalidade se popularizou também. Nos anos 80 e 90, e-mails se tornaram muito informais. Mas a idade média do usuário de internet vem subindo, e com isso a comunicação está ficando mais formal novamente. Acredito que os estudos sobre netspeak que virão daqui por diante vão documentar um aumento da formalidade.

O SENHOR AFIRMA QUE, NO ATUAL RITMO DE EXTINÇÃO, EM UM SÉCULO TEREMOS SO METADE DAS LÍNGUAS QUE SÃO FALADAS NO PLANETA HOJE. POR QUE TANTAS LÍNGUAS ESTÃO DESAPARECENDO?

O principal motivo é a assimilação cultural por causa da globalização. O crescimento das grandes línguas do mundo funciona como um trator, esmagando os idiomas que se põem no caminho.

Isso não é um fenômeno restrito a duas ou três línguas. Não é apenas o inglês que ameaça línguas nativas na Austrália, ou o português que põe em perigo idiomas indígenas no norte do Brasil. O chinês, o russo, o hindi, o suahili – todas as línguas majoritárias ameaçam idiomas de comunidades pequenas.

O futuro dessas línguas minoritárias está vinculado a políticas regionais. Nos lugares onde elas sobrevivem, há uma série de práticas políticas e econômicas que valorizam a diversidade.

O QUE SE PERDE QUANDO UMA LÍNGUA MORRE?

Quando me fazem essa pergunta, costumo rebater com outra: como seria o mundo se a sua língua não houvesse existido? O que você teria perdido, o que todos teríamos perdido se não existisse o português? Se não houvesse o inglês, não teríamos Chaucer, Shakespeare, Dickens.

Quando colocamos as coisas nesses termos, as pessoas vêem. Uma língua expressa uma visão peculiar do mundo. Não importa se a comunidade que utiliza essa língua vive em uma selva, em um iceberg ou na cidade, sua história, seu ambiente e seu modo de pensar não têm igual.

O único meio de comunicarmos a percepção do que é ser humano em determinado ambiente é através da linguagem.

NO BRASIL, JÁ HOUVE TENTATIVAS DE RESTRINGIR LEGALMENTE O USO DE PALAVRAS ESTRANGEIRAS, ESPECIALMENTE DO INGLÊS. O INGLÊS PODE SER CONSIDERADO EM ALGUMA MEDIDA UMA AMEAÇA AO PORTUGUÊS?

Não, de forma alguma. Esses movimentos puristas aparecem no mundo todo. E o fato básico é que todas as línguas tomam empréstimos das outras. Ao longo dos últimos 1.000 anos, o inglês incorporou palavras de mais de 350 línguas.

Só 20% das palavras do inglês atual remontam às origens anglo-saxônicas e germânicas da língua. Essa incorporação de palavras tornou o inglês uma língua expressiva e rica. Shakespeare não poderia escrever o que escreveu se não contasse com um vocabulário que era germânico, francês e latino.

Palavras se incorporam a uma língua não para destruí-la, mas para permitir novas oportunidades de expressão. Se cada palavra que entra no português apagasse uma palavra anterior, isso seria de fato um fenômeno estranho e indesejável. Mas não é assim que funciona. A nova palavra não substitui palavras preexistentes, ela passa a vigorar ao lado delas.

A língua evolui desse modo e alcança uma gama expressiva mais ampla.

COMO LIDAR COM A QUESTÃO DO VOCABULÁRIO IMPORTADO AO EDUCAR AS CRIANÇAS?

Os jovens gostam de usar palavras estrangeiras, pois em geral elas soam inovadoras. Gostam também de empregar gírias que eles próprios criam.

Não se pode proibir jamais crianças e adolescentes de utilizar suas formas particulares de linguagem. É como dizer a eles: “Valorizem a linguagem – mas não a sua própria”. É muito importante que, nas escolas, os estudantes aprendam toda a gama de possibilidades da língua.

Eles precisam descobrir que há palavras tradicionais e palavras novas para as mesmas coisas. E devem saber também a diferença estilística entre essas opções.

POR QUE O INGLÊS É A LÍNGUA MAIS VISADA PELOS PURISTAS?
Pela razão simples de que é a língua mais globalizada. É sobretudo uma questão política, que varia de região para região.

Quem fala quíchua, no Peru, não está preocupado com o inglês, mas com vocábulos que remetem à história do domínio espanhol sobre os povos indígenas. A política está sempre por perto nessas questões.

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Fonte: http://veja.abril.com.br/120907/p_088.shtml

17 de outubro de 2006

Cyberespaço redimensiona a relação ensino-aprendizagem

Jogos eletrônicos contribuem não só para a aprendizagem como também para que os jovens aprendam a aprender. Leitura bíblica em plataforma multimídia como estimuladora da relativização de visões ortodoxas e fechadas. Chats da Internet como instrumento para o uso eficaz da linguagem, estimulando o gosto pela aprendizagem. Estes e outros trabalhos sobre potenciais aplicações das tecnologias da informação e comunicação às atividades educacionais serão discutidos no I Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação.

O evento acontece nos dias 26 e 27 de outubro e é promovido pelo Núcleo de Estudos do Hipertexto e Tecnologia Educacional (NEHTE) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Estarão presentes pesquisadores de diversas regiões do Brasil, o que marca o desenrolar do I Encontro Nacional sobre Hipertexto realizado em 2005 também na UFPE. O Simpósio discute ainda a inclusão de deficientes visuais no mercado globalizado, por meio das tecnologias da informação.

PRECONCEITOS - A estrutura cognitiva dos leitores da bíblia passa por alterações quando o livro sagrado é incorporado ao ambiente virtual? Este questionamento conduz a exposição de idéias dos pesquisadores da UFPE, José Carlos Leandro e Antonio Carlos Xavier. Eles debatem como a interatividade possibilitada pela leitura hipertextual da Bíblia no suporte digital contribuirá para uma pluralidade de leituras dos Textos Sagrados, relativizando a ortodoxia da hermenêutica dos exegetas (intérpretes das escrituras) e atacando assim o preconceito alimentado por dogmatismos.

No evento, ocorrerá o enfrentamento de preconceitos como o de que crianças e adolescentes perdem tempo de estudar quando estão jogando no computador. Desafios em reinos virtuais de fantasia e aventura possibilitam aos jovens construir seu próprio roteiro de aprendizagem, combinando conhecimentos de história, linguagem e outras disciplinas. Esta idéia será discutida pelos pesquisadores Filomena Moita (Universidade Estadual da Paraíba), Durval Nogueira (Universidade do Estado da Bahia) e Gustavo Gadelha (SENAI-BA).

Serão discutidos, durante o Simpósio, os choques e casamentos que podem acontecer entre as modalidades tradicionais de produção cultural e as plataformas virtuais multimidiáticas. Um dos temas tratados, nesta esfera, diz respeito às implicações envolvidas na transição de elementos da cultura popular, dentre os quais os folhetos de cordel, para o cyberespaço.

O professor José Alexandre Ferreira Maia (UFPE) traça o perfil que o romance assume quando é estruturado, de saída, como um hipertexto. Ele investiga como o aparentemente fragmentário e desconexo é na verdade um enredo tecido por elementos hipertextuais.

LETRAMENTO - Valéria Maria Cavalcanti Tavares (CMP-CE) abordará como recursos da Internet favorecem a valorização do trabalho em grupo e do desempenho oral no ensino de línguas. O pesquisador Júlio César Araújo, da Universidade Federal do Ceará (UFCE), segue um caminho semelhante, ao propor um olhar sobre os chats da Internet como ambientes de inclusão do aluno na construção do conhecimento.

A professora da UFPE, Nelly Carvalho, discutirá como a volatilidade do ambiente virtual trabalha minimizando o peso do erro gramatical. Ela também analisará o alcance destas mudanças tecnológicas na publicidade.

A necessidade de redimensionar a relação entre professor e aluno, a partir do avanço das tecnologias da informação no ensino-aprendizagem será discutida por Sérgio Abranches (UFPE). Segundo ele, a formação de professores começa a ser criticada na sua forma clássica que inclui a presença física de formador e formando em um mesmo espaço, e também a orientação diretiva das atividades exclusivamente por parte do professor-formador.

Paulo Gileno Cyneiros (UFPE) analisará exemplos concretos desta mudança na relação entre professor e alunos, no contexto da escola brasileira, tanto pública como particular, exemplificando-as com situações positivas e negativas de uso de ferramentas de hipertexto na atividade de ensinar e aprender.

Desmistificar a idéia de que o Linux é um bicho-de-sete-cabeças é o objetivo de André Alexandre Padilha Leitão (UFPE). Ele apresentará programas oferecidos por este sistema operacional e que auxiliam o desenvolvimento do letramento digital dos alunos, bem como a personalização das aulas pelos professores ou de projetos a serem desenvolvidos na escola.

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Fonte: http://www.ufpe.br/new/visualizar.php?id=4539

15 de outubro de 2006

Revolução digital e novo perfil do professor

Diário de Pernambuco - Edição de domingo, 15 de outubro de 2006

Antônio Carlos Xavier
PROFESSOR DA UFPE

Carmi Ferraz Santos
PROFESSORA DA UFRPE

Sem dúvida o novo século trouxe muitas mudanças nos mais diversos setores da sociedade, uma delas já bem amadurecida na última década do século passado. Ttrata-se da revolução digital. Ela afeta a todos e, por isso, também os educadores. As tecnologias digitais de comunicação e informação, antes de serem concorrentes ou substitutas dos professores como apregoam alguns, são suas mais novas e eficientes aliadas. Seu potencial pedagógico é incomparavelmente maior ao quadro, saliva e giz tão comuns nas escolas brasileiras. Muitos professores ainda vêem de soslaio os benefícios das tecnologias aplicadas à educação que têm sido alardeados por alguns tecnófilos. Entretanto, até os mais céticos tecnófobos não são capazes de negar a "invasão" dessas máquinas nos ambientes escolares.

A Internet é uma realidade incontestável. Mas o que fazer diante dessa nova realidade? Ignorá-la como se nada estivesse acontecendo escondendo a cabeça no buraco como faz a avestruz? Esperar que a "onda tecnológica" passe como se fosse "só um modismo"? Ou admitir sua chegada, reconhecer a necessidade de conhecê-la, identificar suas características a fim de dominá-la para utilizá-la adequadamente dentro desse novo contexto? No momento, essas nos parecem as alternativas mais sensatas a serem consideradas pelos educadores.

Resultados de pesquisas sobre leitura divulgadas em setembro de 2005 mostram que o Brasil ainda possui problemas fundamentais de compreensão de texto (apenas - da população brasileira consegue ler com proficiência), o que revela um problema mais grave ainda: o nível rudimentar de alfabetização no qual - da nação se encontram hoje. Dados como esses deveriam servir de argumento para convencer os responsáveis pelas políticas públicas de educação a implantarem urgentemente programas de capacitação docente focados no aproveitamento do potencial pedagógico das tecnologias digitais hoje bastante conhecido, comprovado e à espera de utilização.

Jáestá mais do que na hora do governo contra-atacar o problema central da ignorância brasileira com aplicações de overdoses financeiras na formação e capacitação tecnológica dos docentes, bem como na aquisição de máquinas computacionais avançadas a serem disponibilizadas em nossos espaços escolares. O discurso de que é preciso primeiro tornar todo o "Brasil Alfabetizado" para só depois poder investir em aperfeiçoamento dos professores e em laboratórios de informática tem, ano após ano e governo após governo, inibido a tomada de atitudes mais arrojadas que poderiam enfrentar o atraso intelectual e tecnológico que impede o desenvolvimento econômico e a melhoria da qualidade de vida da maioria do povo brasileiro.

Os novos tempos exigem por parte do Estado uma substancial injeção de recursos no sistema nacional de educação para adequar a escola e o professor ao seu novo perfil imposto pelas inovações tecnológicas: mais pesquisador e menos repetidor de informação, mais articulador de saber e menos provedor único de conhecimento, mais gestor de aprendizagens e menos instrutor de regras. Na nova ordem mundial econômica e tecnológica, o docente deve atuar mais como um consultor que sugere do que como um chefe que manda. Isso porque o acesso da nova geração à rede mundial de computadores tem lhe permitido mais liberdade de expressão e mais interatividade. Nessa perspectiva, há pesquisas com adolescentes da América, Europa e Ásia revelando que quanto mais eles usam as parafernálias digitais mais ganham autonomia de aprendizagem, aguçam a curiosidade e o faro investigativo, dilatam sua sensibilidade emocional e intelectual, ampliam sua preocupação com os acontecimentos globais, além de aumentar a consciência de seu papel e de sua responsabilidade social, quando comparados à geração de seus pais.

Portanto, governos e professores não podem mais ficar como "Carolina" à janela esperando a banda tecnológica passar, pois quando perceberem talvez ela já tenha dobrado a esquina da história e a história da nação brasileira continuará acumulando déficits intelectuais, tecnológicos e com baixa qualidade de vida.

Novo pacto político nacional

Inocêncio Oliveira
DEPUTADO FEDERAL POR PERNAMBUCO (PL)

Para um novo quatriênio (2007/2011) propõe-se um novo pacto das forças políticas que leve o País a um crescimento sustentável do PIB em torno de, pelo menos, 6% a.a., pois "o desenvolvimento é, necessariamente, um processo de conserto nacional" como assinala o documento do CDES - Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - divulgado em agosto último. Essa meta econômica se concretizará se continuar a haver manutenção do controle da inflação; juros progressivamente menores; superávit na balança comercial; diminuição da dívida pública; investimentos em infra-estrutura; redistribuição de renda com divisão do poder político; etc.

O poder político nas sociedades modernas, apóia-se em estruturas administrativas ágeis, profissionais, que devem operar com eficiência e eficácia, recrutando-se os melhores elementos pelo método do concurso público ou da prova de títulos, porque há talentos acadêmicos - isto é, formados pelos campos universitários - e inacadêmicos, com experiências e vivências de que a administração pública não pode prescindir. É possível atingir um PIB real "per capita" de R$ 25 mil em 2015? Sim, desde que se unam as forças políticas mais responsáveis para que, ao lado dos investimentos econômicos se promovam, dentro do Orçamento Geral da União, os ajustamentos necessários à promoção do social, incluindo programas e projetos objetivos de financiamento à construção de moradias de interesse social (baixos juros + longo prazo de amortização), saneamento básico, serviços comunitários (quadras poliesportivas, centros de saúde, teatro e cinema, núcleos de artes cênicas e plásticas), transporte público, abastecimento alimentar.

É preciso porém, que os 27 Estados dêem a sua parcela de contribuição renunciando à guerra fiscal e eliminando impostos e taxas e baixando, na prática, o chamado "custo Brasil". Mais ainda: é necessário redirecionar os investimentos dos Estados para financiar programas e projetos sociais de cunho participativo, deixando queas comunidades decidam o que é melhor para elas próprias: enfim, estender, na prática, o orçamento participativo.

A expectativa do CDES é de que o BNDES possa aplicar, nos próximos 10 anos, recursos no valor de R$ 650 bilhões no financiamento de projetos industriais e de infra-estrutura no Norte e Nordeste, contribuindo para a formação daquelas "economias externas" indispensáveis à eficiência dos investimentos privados, principalmente em regiões de baixos níveis de poupança, como o Norte e Nordeste do Brasil. Outros temas poderão ser aqui assinalados nesse programa que o Presidente Lula terá condições de consolidar: a diversificação da matriz energética brasileira, com maior ênfase aos bio-combustíveis (etanol, biodiesel, H-bio); universalização do saneamento básico; apoio continuado às micro, pequenas e médias empresas; reestruturação agrária, com a distinção entre terra de trabalho e terra de negócio.

E, finalmente, teremos de vencer a batalha da segurança pública, com apoio às iniciativas de reestruturação e aperfeiçoamento das Polícias Federal e Estaduais. Este é o escopo básico de um programa coerente de governo, a partir de 2007, que terá de contar, para o seu sucesso, com o apoio dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Bom-dia, Recife

Ronildo Maia Leite
JORNALISTA

Como a primeira mulher, o primeiro chope é de mera ambição ou a descoberta da sede. Os que a ele e a ela se sucedem é a consagração das madrugadas. Freud não seria tão simples nem moleque: a primeira mulher é a presença da mãe e o dengo da irmã mais velha. As seguintes, o inocente dormir na cama da prima, a descoberta da vizinha, a intimidade com a colega de escola, o leve roçar de pernas e das partes na primeira dança, o vento levantando a saia da menina, o lance de calcinha da moça se agachando. Ou de pernas se cruzando na franqueza geral da minissaia.

Isso eu aprendi logo cedo, camaradas: se o seu olhar de inteiro couber lá dentro do olho da menina, não a espie de novo. Nem de frente. Os olhos fecham contratos secretíssimos. É de curvas o olhar dos que se querem, camaradas. Está, esse querer-se, nas mãos agarrando o copo, No se mudar de posição na mesa, no ouvir sem dizer, no dizer pra não se ouvir. No pé por debaixo da cadeira - há conversa mais franca do que a dos dedos,camaradas? No absoluto silêncio, na algazarra. E até no "tudo bem?", no alisar o cangote, no nhanhã do beijim.

O primeiro ato de amor, o amoreco, é um amorar-se em si mesmo, o sexo ardente numa mão, na outra a mulher que não se tem, embora cobiçada. Tenho ser esse ato de amor o delírio do nada, pois as mãos que digitam o próprio corpo, com toda a certeza de mulher sabem somente de retratos. Eis aí a ortodoxia de um desastre, camaradas.Mania ou amor demais essa maneira minha de mulheres cortejar? Logo cedo, minha mãe desconfiou de mim. No Natal, me deu um brinquedo de pilha, um par de luvas de box, um patim, um saco de bolas de gude, futebol de mesa, um jogo de xadrez, essas chatices. Se esqueceu que minha prima gostava mesmo de um ganzá.

De tarde, lá estávamos, eu e Dora, no quintal. Minha mãe ralhou comigo, Deus a tenha, camaradas. Meu pai se fez de desentidido, e foi embora. Não me olhou de frente, por isso entendi o seu olhar... Empedernido de nascença, hoje estou aqui, meio aluado. Cidadão quarto minguante. Caindo pelas tabelas, sou um homem quase nada, um quase morto, um fulano qualquer. Mas ainda arranjo companheiras, camaradas. Ontem, boquinha da noite, sentamos eu e a Gordinha no primeiro bar. Sorrimos, eu e ela, um sorriso único. Feito o primeiro chope, que é a glória da sede, o primeiro sorriso da mulher sinaliza o que pode ser a madrugada. A Gordinha tinha eriçado o bico dos peitos, como somente os têm as mulheres noturnas. Baton nenhum, lilaz que fosse. Nenhuma sombra nos olhos. Nem enfeites. Ai, eu juntei as gambiarrras coloridas do puteiro, fiz um trancelim de lâmpadas, e coloquei no busto da Gordinha. Olhando o mar do porto, ela me perguntou, então:

- Cansado?...

- Não, um pouco doente. Uma dor aqui, de lado.

- Fadiga, ela insistiu.

A dor é um recado de saúde do orgamismo à outra parte do organismo que adoece, inclusive a alma. Aí, a Gordinha se arretou, descansou os dois peitos na bolacha de chope e me falou baixinho:

- Curiosa a fadiga de que muitas vezes você se reclama.

Osprazeres originais da espécie humana, no entanto, muitas vezes dependem da fadiga, ou a ela antecedem para depois partilhar, com ela, um gostoso relaxamento. Cansados, adormecemos depois de uma dor, de um grande esforço, de um grande prazer...

Qualquer atividade depende da fadiga para restabelecer seus limites. E é por causa dela que o Livro dos Recordes atravessa os tempos, surpreendendo-nos a cada quebra de marcas. Embora seja o sono seu maior favorecido, é ela também que favorece os ciclos da natureza, as interrupções das brigas. A noite é a fadiga dos dias que, no entanto, se repetem. A velhice a fadiga da juventude que, no entanto, permanece dentro de nós. O silêncio é a fadiga do discurso que, no entanto, recomeça em todos os temas. Do mesmo modo, os filhos são a fadiga dos ciclos da vida, que se repete depois que descansa nos intervalos das gestações. Do mesmo modo que a amizade é o cansaço do amor, que, arrebatador, também cansa de fervilhar. Do mesmo modo que o frio é o cansaço do calor que, de tanto fatigar, também precisa descansar.

Dos direitos naturais da espécie, poucos permanecem tão accessiveis quanto a fadiga que, no entanto, não perde seus encantos jamais. A fadiga que sucede o sucesso, que nos faz descansar, que nos faz desistir ou começar a lutar, é um reptil de duas cabeças que com uma morde e com a outra sopra.

Fadiga em tudo é a morte que, no entanto, apenas cancela o próximo jantar. Porque depois vem a vida, e com ela a história que então se repete. Curiosa a fadiga das mãos que escrevem tão devagar os pensamentos que vão mais rápidos que elas. Curiosa e demente, pois não liga se eu reclamar."Quando ela acabou de falar, fatigaram-se até as ondas do Atlântico. Ela pegou o seu fusquinha e foi embora. Eu beijei um amuleto que trago no peito desde a infância. Cheguei no pé da escada do puteiro e gritei:

- Dona Lalu, onde você escondeu a minha infância..."

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Fonte: http://www.pernambuco.com/diario/2006/10/15/opiniao.asp

4 de outubro de 2006

Edublog, o quê?

Diário de Pernambuco - Informática - Edição de quarta-feira, 4 de outubro de 2006

EDUCAÇÃO // Páginas de professores e alunos voltadas para o conhecimento prometem uma revolução no ensino, atraindo pela autoria na web e reaquecendo o interesse pela sala de aula

Lúcia Guimarães
DA EQUIPE DO DIARIO

Carlos da Silva, 12 anos, é um daqueles alunos da rede pública que não costuma prestar atenção na aula, tampouco dedicar-se aos estudos em casa. É daqueles que falta a aula pelo menos uma vez na semana, não gosta de ler e ainda não pensa numa profissão (ainda). Falta de estímulo ou dificuldade de aprendizagem? Que nada. Como disse durante a sua curta passagem pelo Recife Francisco Pacheco, da Escola de Pontes, em Porto/Portugal - referência mundial em ensino -, apesar do termo estar na moda, dificuldade de aprendizagem não existe. O que existe, segundo o mestre, é dificuldade de "ensinagem". Talvez por isso o blog venha despertando o protagonismo de milhares de alunos mundo afora. E no estado isso não é diferente.

Corrente mais nova quando se fala em educação, esses diários virtuais agora estão servindo para transformar relações na educação, por isso vêm sendo batizados de edublogs. Estas páginas sem caráter "oficial" de qualquer empresa ou instituição de ensino começam a provocar uma verdadeira revoluçãonas salas de aula das redes privada e pública. Ou melhor, nas casas de alunos e laboratórios, pois ela é usada normalmente fora do horário das aulas formais. E acabam por contagiar a todos, afinal, quem não gosta de se sentir-se autor?

Talvez esteja aí o segredo deste "boom": o protagonismo, coisa que no ensino mais tradicional muitas vezes não acontece, pois o foco é o professor, ele é o centro e detentor do conhecimento, quando as linhas mais abertas da educação já afirmam que esse status sumiu do mapa, pois ele hoje deve ser o facilitador de processos de conhecimento, o indutor, e não o centro. "O edublog é uma nova percepção lingüística, que pode permitir ao professor e aluno o papel de articulador do conhecimento. Se sabem que vão ser vistos, passam a ter mais cuidado com a língua e escrita e com as informações, apuram mais, lêem mais", sentencia o doutor em lingüística Antônio Carlos Xavier, coordenador do núcleo de estudos de hipertexto e tecnologia educacional da Universidade Federal de Pernambuco.

Mestra em lingüística e professora de Católica, Neide Mendonça é outra que aposta nesta nova ferramenta como um grande trunfo para o resgate do protagonismo na relação professor-aluno. Para ela, é até uma questão psicológica. "Pela autoria, a pessoa acaba se preocupando mais com a escrita, com a norma culta e a comunicação fica mais atrativa", diz ela.

Escolas - Um dos exemplos no Recife quando o assunto é a nova corrente da comunicação entre professor e aluno é o Colégio Equipe, na Torre. Samea Franceschini é coordenadora de lá e diz que isso é bastante novo, há poucos meses estreou na escola. Mas os resultados já impressionam e começam a contagiar a todos: professores, alunos e famílias. "Muitos alunos dispersos e sem prazer pelo estudo começam a mostrar uma outra face", diz a educadora, que tem sua própria página e está bastante empolgada com o feedback. "O fato de ser da minha responsabilidade, exige que eu garimpe mais, leia mais, escreva melhor, esteja sempre atualizada", acrescenta.

Lá mesmo no Colégio Equipe o Informática pôde comprovar que as correntes mais antenadas da educação têm razão. Alguns professores mostram-se empolgados com o edublog, é como se estivessem resgatando a auto-estima perdida entre tantos educadores mergulhados numa rotina muitas vezes que não permite inovações. Pela simples falta de tempo mesmo (e um pouco de organização talvez). Igor Sasha, professor de geografia, é um deles. Aos 25 anos, acaba de descobrir que pode continuar sua aula com o aluno mesmo sem estar na sala, e o melhor, de forma leve, atual e nem por isso menos importante. "Vou além do conteúdo de geografia, pego coisas correlatas, da atualidade, e tenho me sentido super importante quando percebo que aquele aluno mais inquieto está mostrando-se interessado, por causa da nova ferramenta, e leva o debate para a sala de aula", ratifica.

Outro que adotou foi Rodrigo Acácio, de biologia. Mas alerta: "pensei que era mais simples, mas percebi que para ter conteúdo atrativo tenho que ter mais trabalho, mas é muito gratificante", diz. Já para João Reginaldo, professor de português do Equipe e da rede pública, a página tem um gostinho especial, pois ele acredita que seu edublog está cumprindo um papel importante. "Incentivo a leitura, abrindo discussões sobre livros e envolvendo toda a família", conta. Tudo começa na sala de aula e culmina lá, acaba um impulsionando o outro.

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Fonte: http://www.pernambuco.com/diario/2006/10/04/info1_0.asp