16 de março de 2008

Dialeto da internet invade sala de aula

Jornal do Commércio - Revista JC - Publicado em 16.03.2008

Conhecido como internetês ou miguxês, idioma usado por crianças e adolescentes nos programas de bate-papo da web preocupa pais e professores

Carol Botelho
cbotelho@jc.com.br

Os programas de bate-papo como o MSN, o mais popular da internet, fizeram surgir uma linguagem virtual paralela ao idioma português, o internetês ou miguxês. Originário da velocidade e da dinâmica que o mundo digital exige, ele não combina com acentos, preposições, conjunções, pontuações e ortografia correta, como manda a língua clássica. A inadequação às regras ortográficas só é bem vista pelos olhos de quem a pratica. Para eles, o internetês é uma forma de simular uma conversa ao vivo, sem a formalidade exigida na escrita. Basta escrever da maneira que se fala. E é assim que surgem variações de palavras e abreviações como: pow (de pô), neh (de né), acc (aceitar), blz (beleza), comu (comunidade), add (adicionar), o.0 (assustado), valew (valeu), cm (como). São verdadeiros códigos lingüísticos só compreensíveis por quem transita no universo virtual. Ao resto do mortais resta fazer cara de interrogação ao se deparar com o estranho, e distorcido, dialeto.

Para estudiosos, professores de português e pais, fica uma grande preocupação: será que o internetês atrapalha o ensino, simplifica-o ou mesmo fará sumir a língua ensinada nos livros de gramática? Pesquisadores da Faculdade Frassineti do Recife (Fafire) saíram a campo para responder. “O uso do internetês é inofensivo, pois se relaciona ao contexto vivenciado no cotidiano dos alunos fora da aula”, declara a pesquisadora e graduada em letras pela Fafire, Marielly Carlos da Silva, também professora do ensino fundamental. “Oriento meus alunos a usar o internetês apenas no mundo virtual”, diz.

Ensinar o estudante a adequar a linguagem ao ambiente ao qual pertence é o que também faz o doutor em lingüística pela Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo, Antônio Carlos Xavier. “Em vez de fazer discursos condenatórios demonizando a internet, o professor deve incentivar o aluno a trazer a linguagem que ele usa com os amigos para ser comparada com reportagens ou textos literários”, sugere.

A também pesquisadora e graduada em letras pela Fafire, Márcia Guabiraba vai mais adiante e defende o uso da internet pelos jovens como forma de incentivar a leitura e a escrita. “Todos os gêneros digitais são baseados na escrita, apesar de serem um pouco diferentes. O aluno está sempre pensando na forma correta, no princípio da adequação”, ressalta Márcia, que define o internetês como “um novo estilo online de escrita”.

Márcia acredita que os prejuízos são maiores entre adolescentes de 10 e 14 anos, que acabam utilizando, sem querer, o internetês em trabalhos de classe. “Maiores de 15 anos e adultos têm mais consciência da adequação de linguagens. E também os jovens que vão prestar vestibular, pois estão mais ligados à gramática, estudam o ano inteiro e sabem o quanto devem ser rigorosos para evitar erros”, conclui Márcia, que já flagrou muitos vc (você), blz (beleza), rs (risos), td (tudo), naum (não), durante duas semanas que passou em escolas avaliando os alunos. “São termos muito comuns em cartinhas, bilhetes e e-mails e nas produções realizadas em classe”, atesta.

Para Márcia, o problema surge exatamente quando os professores acabam frustrando os alunos, chamando a atenção deles de forma grosseira, como se estivessem escrevendo errado. “Tal atitude gera repressão e receio na hora de escrever”, desaconselha.

Segundo Antônio Carlos, confusões podem existir mais facilmente nas classes sociais menos privilegiadas. “Se o adolescente pertence a um ambiente escolar que exige o português tradicional, não haverá enganos”. Estudos da UFPE, no entanto, comprovam que aqueles com histórico escolar de dificuldade ortográfica acabam deixando escapar o internetês ao longo de toda a vida de estudante. “Quanto mais o aluno utiliza a internet, mais exposto ele está ao padrão culto da língua. Melhor ainda se a maior parte do tempo for gasta em sites oficiais, resultando no aumento do hábito da leitura e uma conseqüente melhoria da escrita”, explica Antônio. O uso da norma correta também tem a ver com o grau de intimidade dos interlocutores. “Quanto mais próximos, mais abreviada é a linguagem.”

DE OLHO

A coordenadora de língua portuguesa do nível fundamental dois da Escola Arco-Íris, Aliete Rosa, vê o internetês como uma segunda língua. “Quando trabalhamos com produção textual na escola, o aluno sabe por quem será lido o seu texto, e isso faz diferença. Se o trabalho é para expor, eles capricham. Já na internet, a forma falada é reproduzida para ser rápida”, opina Aliete, para quem o papel da escola é ensinar a escrita responsável. “A família também tem que ficar atenta. Quanto mais tempo as crianças e adolescentes estiverem no computador, mais eles vão estar sujeitos a reproduzir o internetês”, acredita.

A estudante de turismo Eliane Holanda, 48 anos, concorda com Aliete sobre o controle da família no uso do computador, e também no estímulo à leitura e à escrita. “Muitos pais não encaram o excesso de computador no dia-a-dia das crianças como um problema. Se os pequenos não forem estimulados a ler e escrever mais, iremos acabar com a língua, e voltaremos ao tempo da comunicação por gestos”, profetiza Eliane, que possui colegas com problemas de pontuação e acentuação aos 24 anos, porque têm preguiça de ler. “Eles digitam e esperam que o computador corrija. Isso acaba prejudicando os trabalhos acadêmicos.”

A universitária é mãe de Laura, 12, da 6ª série, que estuda em um bom colégio para aprender bem a língua portuguesa. Para isso, Eliane sacrificou as prestações do plano de previdência privada, mas não se arrepende. “Lá, eles a estimulam a ler e escrever e eu complemento o trabalho em casa, estabelecendo horários para uso do computador e para os bate-papos.” Mesmo assim, Laura não abre mão das conversas online, que começou aos 9 anos, “para falar dos babados que não podia falar na aula”, explica a menina. Ela conta que, na antiga escola, escrevia palavras sem acento e abreviadas nos trabalhos em sala. “Tive que escrever tudo de novo”, lembra Laura, que já chegou a usar a ferramenta para pegar a lição que havia perdido. Mas quando resolveu fazer um trabalho via MSN, foi um desastre. “Ficava conversando e deixava o trabalho de lado”, admite.

“Não tô nem aí”, desdenha o estudante Heitor Santos, 13 anos, da 7ª série, que nos bate-papos virtuais escreve errado e muda as palavras. Os macetes do internetês, Heitor aprendeu na própria internet, com os amigos. “O pessoal ia escrevendo e eu me acostumei. Acho mais simples, diferente, outra forma de me expressar”. Na classe, apesar de se considerar um ótimo aluno, Heitor confessa que dá suas escorregadas. “Quando vou fazer trabalho no computador, acabo escrevendo como se estivesse no MSN, sem querer”, confessa.

Bernardo Prado do Egito, 13, da 7ª série, é mais seguro. “Nunca me atrapalho. Aos dez anos, acho que já temos um bom conhecimento da língua. Nunca cometi um erro desses em sala de aula”, diz o confiante Bernardo, adepto da língua pela rapidez de comunicação que ela proporciona. “Para mim, é como se fossem gírias”, define. O mesmo pensa seu irmão mais novo, Artur Prado do Egito, 10, da 5ª série. Contrariando as conclusões da pesquisa da Fafire, mesmo com pouca idade, Artur não tem a menor dificuldade em utilizar as duas línguas. “Nas provas, usamos uma. Na internet, outra”, distingue o garoto. Apesar do bom desempenho dos filhos na escola, a professora universitária Lucila Borges, 48, vive reclamando dos “símbolos esquisitos” que eles usam. “Meus filhos escrevem muito bem. Essa linguagem esquisita que eles utilizam, por enquanto ainda não os prejudicou porque eles são muito novos. É preciso levar em conta a intensidade e a freqüência das conversas por dia no computador. Por isso, estou sempre controlando”, diz.J

» serviço

Fafire – 2122-3500/ Departamento de Letras da UFPE – 2126-8000/ Escola Arco-Íris – 3271-2485

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Fonte: http://jc3.uol.com.br/jornal/2008/03/16/not_273866.php

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